segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os refugiados choram, silenciados


Enquanto houver discriminação, intolerância política, étnica e religiosa a criar cenários de guerra e perseguições há refugiados.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) é uma agência da ONU fundada em 1951 pela Assembleia das Nações Unidas com o propósito de apoiar, dar assistência e proteger todo o indivíduo ou toda a população vítima de perseguição, violência e intolerância. Constituindo atualmente uma das principais agências humanitárias do mundo, procura cumprir dois objectivos básicos: proteger homens, mulheres e crianças refugiadas e procurar soluções que proporcionem um regresso permanente a uma vida normal e condigna.
A Convenção de Refugiados de 1951 determina que o termo refugiado aplicar-se-á a qualquer pessoa que “receando, com razão, ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, não queira regressar.” - Convenção de 1951 do Estatuto de Refugiados, artigo 1º, e Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados aprovado em Assembleia Geral em 1967. A Convenção também estabelece que “nenhum país deve expulsar ou devolver um refugiado, contra a vontade do mesmo, em quaisquer ocasiões, para um território onde possa sofrer perseguição.”
No final de 2010 estavam sob a jurisdição da ACNUR 10.549.686 refugiados, a sua maioria oriundos de países africanos e asiáticos, e 14.697.804 de deslocados internos. Se as catástrofes naturais podem explicar a deslocação forçada de algumas das populações, são os conflitos resultantes da intolerância política, étnica e religiosa que constituem a grande razão para que continuemos a confrontar-nos com este flagelo.
Na década de 90, do século XX, a guerra civil que deflagrou no Ruanda entre a etnia tutsi (minoritária) e os hútus (etnia maioritária) levou à perseguição e ao massacre de milhares de tutsis pela população hútu. Os danos humanos desta crise são incontornáveis: dois milhões de refugiados, aproximadamente 1.5 milhões de deslocados internos e estima-se que, entre os meses de Abril e de Julho de 1994, foram mortas cerca de 800.000 pessoas.
            Na mesma década, entre os anos 1992 e 1995, a região da Bósnia e Herzegovina sofreu um conflito armado que envolveu os três grupos étnicos e religiosos da região: os sérvios cristãos ortodoxos, os croatas católicos romanos e os bósnios muçulmanos. Qualificado como o mais violento e prolongado conflito da Europa desde o fim da II Guerra Mundial, vitimou 200.000 pessoas (entre militares e civis) e criou 1.8 milhões de refugiados e deslocados internos.
            Entre 2003 e 2006 a região do Darfur foi palco de um conflito armado que desencadeou, no entender da Nações Unidas, uma das maiores crises humanitárias. Darfur é uma região semi-árida localizada no oeste do Sudão constituída maioritariamente por populações de origem centro-africana. Os Fur, os Masalit e Zaghaw constituem as três etnias predominantes, em geral muçulmanos ou seguidores de outras religiões africanas. Estas populações não árabes foram alvo de perseguições empreendidas por milícias árabes, denominadas Janjawid, recrutadas entre os Baggara, tribos nómadas de língua árabe e de religião muçulmana. Neste conflito étnico-cultural, que continua a registar focos de tensão, estima-se que já morreram 400.000 pessoas e que entre refugiados e deslocados no interior do país o número ronde os 1.9 a 2.5 milhões de indivíduos. De acordo com os dados estatísticos do ACNUR, o Sudão registava em 2010 um total de 387.288 refugiados, valor superior ao da população da Islândia, que é, de acordo com os dados estatísticos de 2011, de 311.058 habitantes.
         Segundo os relatórios do Conselho Norueguês para refugiados e do ACNUR, o atual conflito sírio já vitimou 11 mil pessoas, provocou mais de 200 mil desalojados internos e 61 mil refugiados, aproximadamente. Em reunião realizada no dia 20 de Abril deste ano, o Director de Programas de Emergências da UNICEF anunciou que 50% dos refugiados que cruzam a fronteira sírio-libanesa são menores de idade. Para além dos desalojados internos resultantes do actual conflito, a Síria já tinha cerca de 400 mil pessoas desalojadas em consequência da guerra de 1967 com Israel.
         Deslocados à força por verem as suas aldeias destruídas e vandalizadas, os familiares, amigos e vizinhos assassinados sem outra razão que não seja a diferença étnica, política ou religiosa, os seus haveres devastados, os quais, muitos já parcos, só conseguiam manter uma mera subsistência familiar; obrigados a percorrerem centenas ou milhares de quilómetros até encontrarem um local que os faça sentir protegidos da violência de que foram alvo, os campos de refugiados constituem para a população refugiada e para os deslocados internos um “porto seguro”, a esperança de que afinal pode haver um futuro.
            Os conflitos por que estas regiões passaram (muitas mais foram cenários de crises humanitárias ao longo do século XX e continuam a ser nestas primeiras décadas do século XXI) espelham a incapacidade da humanidade viver em sintonia com os direitos mais básicos do ser humano:
- “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos… devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
- “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
- “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.”
- “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários…”

            Princípios, consagrados na Declaração dos Direitos do Homem, que todos os povos e países deviam de reconhecer e respeitar de modo maduro e responsável.

 
Pedem pão e a certeza de comê-lo
 
Refugiados vagueiam quem os quer?
São aos milhões por esse mundo fora
são indesejáveis a criança e a mulher
refugiados indefesos esperam sua hora.

Pedem o pão e a certeza de comê-lo
em paz e sem constrangimento
esperam uma mão que lhe toque no cabelo chorando no íntimo o seu desalento.

Não pedem aos governantes uma flor
pedem a paz, um abrigo, o simples respirar  duma esperança que lhes traga o amor, a dignidade de viver e poder amar.

Em toda a parte vagueiam refugiados
são a mancha de quem não sabe governar

vítimas do egoísmo e círculos viciados 
são aos milhões e não param de aumentar.                                            

Pedem o pão e a certeza de comê-lo
respiram ameaças e uma atmosfera vã
clamam por amor e a certeza de obtê-lo
na expectativa do que trará o amanhã.
                                   
                                      José Valgode




domingo, 15 de abril de 2012

Conhecer a Terra a partir do espaço

             Recuados vão os tempos em que a localização e o conhecimento geográfico dependiam de instrumentos como o quadrante (instrumento de medição usado pelos portugueses durante os Descobrimentos, por exemplo), da bússola (pensa-se que foi Mestre Jaime, judeu converso, que em 1420 chegou a Portugal a convite do Infante Dom Henrique, quem ensinou os portugueses a trabalhar com a bússola), do astrolábio (a sua versão mais moderna foi desenvolvida por Abraão Zacuto, em Lisboa, a partir de versões árabes mais antigas e menos precisas, tendo já sido aplicada na descoberta do caminho marítimo para a Índia e do Brasil), entre outros.
Entre o período dos descobrimentos portugueses e o século XXI, muitas e profundas transformações ocorreram nos processos e meios de observação e estudo da Terra e dos corpos celestes, invenções e descobertas que enriqueceram o conhecimento e a compreensão do nosso planeta e do cosmos.
O século XX é, por natureza, o século das tecnologias de localização, informação e de comunicação, avanços que colocou ao dispor das diferentes áreas da ciência um dos instrumentos mais eficazes de investigação e análise da superfície da Terra: os satélites artificiais.
Encontram-se atualmente em órbita vários tipos de satélites, entre os quais, os satélites do Sistema de Posicionamento Global (GPS), de comunicação (utilizados nas telecomunicações), de observação da Terra, meteorológicos e os militares.
O satélite meteorológico tem como principal função monitorizar o estado do tempo e o clima da Terra; secundariamente pode controlar e captar os efeitos da atividade humana, como a distribuição das luzes no espaço geográfico, as queimadas, os níveis de poluição atmosférica, as auroras polares, as correntes oceânicas, entre outros elementos. Considerando que estamos a atravessar uma época de alterações dos padrões climáticos, este tipo de satélite assume um papel vital na previsão do estado de tempo, da variação do clima e de catástrofes naturais com origem na atmosfera.
O Envisat, satélite europeu lançado a 1 de Março de 2002, na Guiana Francesa, e que orbitava a uma altitude de 800km, representa o maior satélite de observação da Terra construído até à data. A Agência Espacial Europeia (ESA) perdeu contacto com o satélite a 8 de Abril deste ano, depois de ter recebido imagens da Península Ibérica e das ilhas Canárias - as últimas enviadas por este satélite.
O Envisat processava uma análise global e rigorosa da atmosfera, continentes, oceanos e calotes polares/glaciares do planeta. Conseguia, entre outras ações, realizar medições relativas ao solo (caso da densidade da cobertura vegetal), analisar a dinâmica dos solos (deslizamentos de terra…) e da atividade vulcânica, monitorizar o movimento dos glaciares, cartografar a topografia dos oceanos e medir a altura das ondas, controlar a composição química e a dinâmica da atmosfera: medir a velocidade do vento, do vapor de água existente na atmosfera e da água presente nas nuvens, avaliar a composição global de gases na troposfera e na estratosfera, como por exemplo os níveis de Ozono e CFC`s da estratosfera.
Os dados recolhidos eram utilizados para o estudo científico da Terra, análise ambiental e alterações climáticas. A informação enviada pelo Envisat foi utilizada por 70 países, em mais de 4000 projetos.
A cartografia – “conjunto dos estudos e operações científicas, técnicas e artísticas que intervêm na elaboração dos mapas a partir dos resultados das observações diretas ou da exploração da documentação, bem como da sua utilização”, de acordo com a definição adotada pela ACI (Associação Cartográfica Internacional) – conheceu uma verdadeira revolução com o aparecimento dos satélites artificiais e o seu uso como instrumento de estudo e de investigação. Os mapas tradicionais dão lugar aos mapas digitais, que representam com elevado grau de pormenor e precisão os elementos e a dinâmica da superfície terrestre, permitindo-nos ter uma percepção real do mundo em que vivemos e que partilhamos.


            Ver:  Europa vista do espaço à noite

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Culturas antigas num mundo globalizante


O México, com uma área de 1.972.547 km² e com uma população de 113,7 milhões de habitantes, segundo estimativas de 2011, está dividido em 31 estados mais o Distrito Federal, no qual está localizada a segunda cidade mais populosa da América, a Cidade do México. O país, destino de eleição de muitos turistas, nomeadamente de portugueses, apresenta uma riquíssima cultura que, ao contrário do que se possa pensar, conseguiu resistir e sobreviver às mudanças que o atual território do México sofreu ao longo dos últimos 500 anos. As civilizações Maia, Azteca, Zapoteca…desapareceram e as suas cidades e templos ficaram esquecidos no tempo, encobertos por uma vegetação que tudo ocultou e escondeu. Mas se os impérios desvaneceram-se, os povos que deles fizeram parte conseguiram que a sua cultura, a sua identidade enquanto povo, resistisse ao tempo – não desapareceram, eles coexistem com o estilo e modos de vida da sociedade "moderna" do século XXI.

Em todo o território mexicano existem 57 grupos indígenas, sendo o estado de Oaxaca o que  apresenta maior número de comunidades – 15 grupos. Na região do sudeste, na qual se incluiu a península do Yucatão, subsistem 22 grupos.
 Exteriormente, as comunidades indígenas diferenciam-se através dos seus trajes típicos.

 No estado de Oaxaca, cuja população é 90% indígena, predominam os Zapotecas e os Mixtecas. As comunidades ainda vivem num grande isolamento, fruto de uma precária, ou em mesmo inexistente, rede de vias de comunicação. Com estradas de terra batida como principal via de circulação, o burro continua a ter  primazia como  meio de locomoção. As comunidades mantêm uma estrutura social muito própria, rejeitando frequentemente a autoridade do governo federal.
Representam as comunidades mais pobres do país, vivendo quase exclusivamente do turismo. Devido ao isolamento em que vivem e à falta de apoios no sector da saúde, as mulheres ainda continuam a fazer os partos tal como os Zapotecas os faziam: de pé.
Com o castelhano como língua oficial, cada comunidade possui o seu dialecto.

 No estado de Chiapas, nome de um grupo indígena, o dialecto predominante é o maia, apesar de subsistirem múltiplos dialectos. Possuidor de uma grande riqueza em recursos naturais, nomeadamente em petróleo, as comunidades deste estado, em conjunto com as de Oaxaca, são das mais pobres do país.
Todas as comunidades têm à entrada da aldeia uma cruz com um ramo de pinheiro, em que a cruz simboliza o Universo.
Na comunidade de Chamula, a estrutura social e cultural apresenta características muito específicas: um código moral e penal próprio; os conflitos e as divergências entre habitantes, assim como todas as questões jurídicas, são colocadas perante um tribunal de anciãos, e só a ele cabe tomar uma decisão; o policiamento é feito por um corpo policial escolhido pelo conselho de anciãos; não permitem que sejam fotografados, uma vez que crêem que as fotografias captam a alma das pessoas.
As mulheres e as crianças não vão ao centro de saúde, continuando a recorrer aos métodos tradicionais, tais como ao xamã da aldeia. Os habitantes acreditam que quando se está doente o Nagual (alma) também está enfermo, pelo que o curandeiro é chamado a investigar a causa da enfermidade do Nagual: o primeiro passo do curandeiro é pegar no pulso e, tomando uma bebida, proceder ao rito de limpeza dos males do corpo; se o doente não melhorar depois da purificação do corpo, sacrifica-se uma galinha no templo e acendem-se velas de várias cores, em que cada cor corresponde a um pedido.
 Em Chamula, os rituais de xamanismo harmonizam-se com os ritos católicos, pelo que os xamãs praticam estes rituais no interior da igreja cristã, podendo estes decorrer simultaneamente com cerimónias católicas. Nesta comunidade o baptizado constituiu um dos poucos rituais católicos aceites pela população.

Mas mesmo estas comunidades estão abertas aos produtos das sociedades modernas: a marca coca-cola está totalmente instalada nas comunidades de Chiapas, constituindo não só um elemento decorativo das fachadas de casas como substituiu as bebidas tradicionais utilizadas nos rituais de xamanismo!

     



Os elementos que escassamente procuram retratar as comunidades indígenas de dois estados foram todos recolhidos e registados durante uma viagem.