terça-feira, 12 de junho de 2012

Vidas suspensas em Dadaab


Dadaab, localizado no nordeste do Quénia, cerca de 100km da fronteira entre o Quénia e a Somália, é conhecido por representar o maior complexo de campos de refugiados do mundo: Hagadera, Ifo e Dagahaley.
Encontrando-se sob a proteção e administração do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a Dadaab chegam refugiados provenientes de várias regiões da África Oriental, populações que fogem dos conflitos militares e das prolongadas secas que têm atingido a região. A maioria dos refugiados (aproximadamente 97%) pertence à população somali que, devido à violência provocada pelas guerras civis no sul do país, procuram aqui refúgio e ajuda.
Criado inicialmente como um acampamento temporário para abrigar refugiados que fugiam da guerra civil que atingiu a Somália após a queda do ditador Mohamed Siad Barre, o complexo completou 20 anos de existência em 2011. Estendendo-se por uma área de 50km² e projectado para abrigar uma população de 90 000 refugiados, 30 mil em cada campo, atualmente acolhe mais de 463 mil refugiados, incluindo as 10 000 pessoas que constituem a terceira geração nascida em Dadaab. Em 2011, perante as terríveis condições de fome provocadas por uma das mais graves secas dos últimos anos, o número de refugiados somalis que chegavam ao complexo ultrapassava, em média, os 1000 por dia. Em Junho desse ano chegaram 30 000, em Julho 40 000 e em Agosto 38 000, número que elucida a triste e difícil realidade em que continua a viver o povo desta região, conhecida por “Corno ou Chifre da África".
Chegar à entrada do complexo é uma vitória: os refugiados que aqui chegam conseguiram sobreviver aos conflitos e perseguições na sua terra natal, a dias de caminhada sob um sol abrasador, resistiram à fome e à sede. Os recém-chegados são primeiramente identificados e registados na tenda do ACNUR, depois são submetidos a um exame médico no espaço da organização Médicos Sem Fronteiras (as crianças são vacinadas, pesadas e medidas, e de acordo com o grau de subnutrição podem ser imediatamente internadas; se o caso não for grave, a família recebe orientação para ser acompanhada num posto médico de um dos campos). Concluídos estes procedimentos, é distribuída uma cesta com bens básicos para 21 dias. Por cada membro do agregado familiar é entregue 4,4kg de farinha, 4,4kg de farinha de milho, 1,2kg de feijão, 600g de óleo, 100g de sal, 420g de açúcar e 945g de uma mistura fortificada de milho e soja. Há também pontos de distribuição de água, mas, segundo a organização dos Médicos Sem Fronteiras, as quantidades disponíveis não são suficientes: se o consumo de água recomendável é de 20 litros por pessoa, em Dadaab este valor fica entre os 3 a 4 litros. De acordo com os dados disponíveis, em 2011 80% das grávidas estavam anémicas, 6,3% a 9,4% das crianças até aos 5 anos estavam subnutridas e havia unicamente 1 latrina para 25 a 30 pessoas.
Outra grande dificuldade dentro dos campos é encontrar um teto, já que desde de 2008, data em que o complexo foi declarado lotado, não há distribuição oficial de barracas; cada um procura construir um abrigo com o que encontra, desde gravetos, a panos e plásticos.
Nos três campos há escolas, mas o seu número (38, segundo os dados de 2011) e as vagas existentes não são suficientes para todos poderem completar o 1º ciclo. Embora representem casos raros, alguns jovens conseguem bolsas e autorização para estudar em Nairobi ou na cidade de um outro país. Como os refugiados não são reconhecidos como cidadãos, qualquer tipo de trabalho é-lhes vedado, pelo que o diploma não se traduz em melhores oportunidades de vida e mesmo que pudessem, não existem no campo cargos compatíveis com as habilitações literárias obtidas. Mesmo assim, o sonho de muitos jovens passa por completar os estudos universitários.
Embora não possam trabalhar, ao longo dos 20 anos de existência foi-se desenvolvendo no campo uma economia baseada no comércio. Nos mercados encontram-se produtos básicos, como os alimentares e roupa, até perfumes,  brinquedos e cinema.
A segurança em Dadaab é assegurada pela polícia queniana. A segurança das sedes e escritórios da ONU e das ONGs é assegurada por uma empresa particular contratada pela ONU. Os membros das agências humanitárias têm toque de recolher, não sendo recomendável sair depois das 18h e antes das 7h. Para prevenir situações de rapto, os jornalistas são transportados em comboio policial ou em escolta armada.

A viver em condições de vida precárias, cidadãos de um lugar do qual tiveram que fugir e sem direito à cidadania do país que os acolheu, os refugiados de Dadaab, assim como todos aqueles que vivem em tantos outros campos de refugiados, têm a sua vida em suspenso.


 

 Segundo os dados do ACNUR, mais de 968 mil somalis vivem como refugiados em países vizinhos, principalmente no Quénia (520 mil), Iémen (203 mil) e Etiópia (186 mil). Um terço fugiu da Somália em 2011. Outros 1.3 milhões estão deslocados dentro do país.


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