quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O Mundo Islâmico: uma religião, uma cultura?


Malala Yousufzal, uma jovem ativista paquistanesa de 14 anos, foi recentemente alvo de um atentado perpetrado pelo grupo taliban Tehrik -i-Taliban. Malala, do vale de Swat, é conhecida internacionalmente por defender o direito à educação das mulheres no Paquistão.

O vale de Swat, no norte do Paquistão, é descrito como um vale idílico, rico em recursos naturais e culturais. Anexado pelo Paquistão em 1969, foi administrado por líderes tolerantes, que criaram uma rede de escolas, bibliotecas e de clínicas para a população local.
Com a conquista do vale de Swat, em 2007, pelos taliban, muitos dos líderes locais foram assassinados e várias escolas destruídas; as frequentadas por raparigas foram todas queimadas. “Sou da opinião de que a escola, um dia, reabrirá, mas, ao ir-me embora, olhei para o edifício como se nunca mais pudesse regressar”, escreveu Malala quando tinha onze anos.
Em 2009 o governo paquistanês iniciou uma ofensiva militar que afastaria os taliban do poder no vale. Malala, que decidiu defender a sua herança cultural, está nomeada para um prémio internacional de paz. O governo do seu país já lhe atribuiu um, pela sua ação a favor da paz num ambiente extremamente hostil.
O porta-voz do grupo que reivindicou o atentado, declarou ao jornalista do site dawn.com “que a rapariga estava a propagar entre os jovens pensamentos seculares e anti-taliban.”
Este caso é mais um a ilustrar atitudes extremadas de uma religião que foi outrora símbolo de tolerância cultural e religiosa, uma ponte, um elo, entre os conhecimentos científicos, técnicos e culturais dos povos europeus.
A partir do século VII, a religião islâmica propaga-se rapidamente ao longo das regiões orientais da bacia do Mediterrâneo, do norte de África e na Península Ibérica. A conquista muçulmana de regiões que pertenciam ao Império Romano do Oriente possibilitou aos califas entrarem em contacto com obras e documentos da época clássica ligados a diferentes áreas de conhecimento, como a matemática, a filosofia e a astronomia. A posição geográfica dos territórios islâmicos também favoreceu o intercâmbio intelectual com as regiões do Norte da Índia, relações com consequências muito benéficas ao nível dos diferentes domínios do saber, como por exemplo no da matemática.
 No século VIII, obras como Sindhind, obra astronómica indiana, Tetrabiblos, obra de Ptolomeu sobre os influxos dos astros nas várias regiões da Terra, e Elementos, de Euclides (traduzida parcialmente), são traduzidas para o árabe.
No começo do século IX, o califa Al-Ma’mun funda em Bagdad (capital da dinastia Abássida, sucedânea da dinastia Omíada, esta com capital em Damasco) a Casa da Sapiência. Neste local, inspirado na Biblioteca de Alexandria, os eruditos islâmicos dedicam-se à tradução de manuscritos gregos obtidos mediante tratados estabelecidos com Bizâncio. Textos de Platão e de Aristóteles encontram-se entre os grandes documentos traduzidos.
Na Casa da Sapiência encontravam-se estudiosos de grande relevo, não só nas ciências do Oriente Islâmico como, alguns séculos mais tarde, nas do Ocidente europeu. Muhammad ibn Musa al-Khuwarizmi (780-850 d.C.) é autor de várias obras de astronomia e de matemática e, em particular, de tratados de aritmética e de álgebra, que serão determinantes nos métodos de cálculo utilizados em todo o mundo ocidental. O termo “algoritmo” deriva do nome de al-Khuwarizmi, do mesmo modo que a palavra “álgebra” deriva do título da sua obra Al-jabr wa’l-Muqabal, considerada a mais importante deste matemático, que é lembrado como o “pai da álgebra”.
Ainda no século IX, Thabit ibn-Qurra funda uma escola de tradução e pessoalmente dedica-se a traduzir do grego e do siríaco obras matemáticas gregas, entre as quais a Mathematiké Syntaxis (conhecida no mundo ocidental como Almagesto), considerada a maior obra de astronomia de Ptolomeu. O intenso trabalho de tradução realizado pelos árabes durante este período contribui para a preservação de textos filosóficos e de obras científicas gregas que de outro modo corriam o risco de desaparecer, se não no seu todo pelo menos em parte. Cria igualmente condições para que os estudiosos islâmicos permaneçam familiarizados com conhecimentos que o Ocidente latino colocara em grande parte de lado.
Durante esta época, o Islão representa um mundo cuja religião não rejeita o uso da matemática e de outros conhecimentos científicos; pelo contrário, usa-os e com eles prepara o florescimento cultural que caracteriza o mundo islâmico nos séculos seguintes da Idade Média.
Mesquita/Catedral de Córdoba
No dia 18 de Setembro, o museu do Louvre inaugurou uma novo espaço, a ala dedicada à arte islâmica. Neste espaço serão expostas 18 mil obras de arte do século VII ao XIX oriundas de várias regiões do mundo. Sophie Makariou, responsável por este novo espaço no Louvre, declarou que ”o museu poderá agora expor o Islão com I (maiúsculo). Isto significa a civilização como um todo, não como um pequeno i, que se resume apenas à esfera religiosa”.



Homenagem a Ibn Quzman (1078-1160), famoso poeta do Al-Andaluz conhecido pelas suas zejeis: forma poética escrita no árabe coloquial do Al-Andaluz e muito popular no século XI.
                         
                                               http://www.youtube.com/watch?v=PIddeHAffqM



sábado, 21 de julho de 2012

Tombuctu, uma ponte para o passado


Tombuctu é a região mais setentrional do Mali e abrange uma grande área do sudoeste do deserto do Sara. A capital da região, a cidade de Tombuctu, foi elevada a Património Mundial em 1988. Fundada pelos Tuaregues nos inícios do século XII, nas proximidades do rio Níger, a cidade foi parte integrante do importante e rico reino de Mali (1325 - 1433) e do de Songhay (1468-1591).
Conhecida como a Cidade dos 333 Santos, Tombuctu constituiu entre os séculos XIV e XVI, sob as dinastias Mandinga e Askia, um importante centro comercial, cultural e espiritual e um foco de difusão da religião muçulmana em África. A esta antiga encruzilhada de grandes caravanas e pólo de aprendizagem chegavam, vindos de diferentes regiões de África, engenheiros, arquitectos e estudiosos do alcorão…Tombuctu atraía viajantes de países longínquos. Os escribas copiaram milhares de obras de teologia, literatura, ciência, geografia e história, obras que chegavam à cidade através dos comerciantes nómadas. Foram também elaboradas obras originais de música e de poesia, muitas ilustradas com iluminuras de ouro.
A Unesco estima que já foram inventariadas cerca de 15 mil obras e que 80 mil ainda estarão dispersas por vários locais da cidade.
Classificadas pela Unesco, as mesquitas de Djingareyber e de Sidi Yahia e a universidade de Sankoré, reconstruídas durante o reinado do Íman Al-Aqib, da dinastia Askia (1493-1591), são testemunhos desta época áurea.
Nos inícios do século XIV, sob a égide Sultão Kankan Moussa (1312-1335/37), da dinastia Mandinga, foram fundadas a mesquita de Djingareyber e a universidade de Sankore. A mesquita foi construída por arquitectos trazidos da Andaluzia e do Cairo pelo Sultão, depois de ter regressado da sua peregrinação a Meca, em 1325.
Com a construção da mesquita de Djingareyber e da universidade, Tombuctu converteu-se num importante pólo de comércio, conhecimento e de cultura. A universidade acolhia astrónomos, matemáticos e juristas, atraindo estudiosos muçulmanos de toda a África e do Médio Oriente.
Entre 1570 e 1583 a mesquita sofreu várias intervenções que a engrandeceram: o minarete construído na época ainda continua a dominar a paisagem urbana actual. Como a mesquita Djingareyber, a universidade também foi restaurada pelo Íman Al-Aqib, entre 1578 e 1582. A mesquita de Sidi Yahia, construída possivelmente por volta de 1400, foi restaurada entre 1557 e 1578.
Supõe-se que no período da dinastia Askia cerca de 25 000 alunos frequentavam os vários centros de estudos do alcorão, entre os quais a universidade corânica de Sankore.
O esplendor de Tombuctu começou a desvanecer-se a partir do século XVI, apagando-se totalmente com o passar do tempo. Apesar de esquecido, os monumentos que continuam a despertar os nossos olhares para este ponto do Mali, e que outrora simbolizaram um saber intercultural e religioso, transformaram-se, por essa mesma razão, em mais um cenário de destruição e violência provocado por um extremismo religioso.
Depois do golpe de Estado de 22 de Março, aproximadamente dois terços do Mali ficaram sob o controlo do grupo Ansar Dine, combatentes rebeldes salafistas que preconizam a eliminação de todos os locais considerados sagrados, incluindo os mausoléus e os lugares com símbolos artísticos.
Este grupo rebelde defende que a veneração dos santos, sendo uma idolatria, não pode ser apoiada, tendo que se avançar para a destruição dos elementos que mantêm vivo o culto dos santos. Os combatentes prometem arrasar os túmulos dos santos de tradição sufista.
Desde o início dos tumultos já foram arrasados nove dos dezasseis mausoléus, alguns dos quais na mesquita Djingareyber, e a porta da mesquita Sidi Yahia arrombada. Numa declaração proferida a 18 de Junho, os responsáveis pelas bibliotecas comunicaram que a presença de grupos armados coloca em perigo o acervo de manuscritos.
No dia 28 de Junho, a Unesco, a pedido do Governo do Mali, colocou Tombuctu na lista do Património Mundial sob ameaça.
A comunidade internacional assiste, mais uma vez impotente, à devastação de um património que retrata, num continente em que as notícias e as lembranças mais frequentes estão relacionadas com golpes de estado, conflitos militares, catástrofes naturais e crises humanitárias, um tempo, uma época, uma sociedade onde se privilegiava o saber, a tolerância como impulsionadora do conhecimento cultural, científico e religioso - o que de melhor a humanidade pode e deve criar.

O Mali é atualmente um país de grandes músicos, não sendo por isso de estranhar que muitos integram a chamada World Music. Um dos génios musicais, já falecido, é Ali Farka Toure, considerado o “Rei dos Blues do Deserto”.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Vidas suspensas em Dadaab


Dadaab, localizado no nordeste do Quénia, cerca de 100km da fronteira entre o Quénia e a Somália, é conhecido por representar o maior complexo de campos de refugiados do mundo: Hagadera, Ifo e Dagahaley.
Encontrando-se sob a proteção e administração do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a Dadaab chegam refugiados provenientes de várias regiões da África Oriental, populações que fogem dos conflitos militares e das prolongadas secas que têm atingido a região. A maioria dos refugiados (aproximadamente 97%) pertence à população somali que, devido à violência provocada pelas guerras civis no sul do país, procuram aqui refúgio e ajuda.
Criado inicialmente como um acampamento temporário para abrigar refugiados que fugiam da guerra civil que atingiu a Somália após a queda do ditador Mohamed Siad Barre, o complexo completou 20 anos de existência em 2011. Estendendo-se por uma área de 50km² e projectado para abrigar uma população de 90 000 refugiados, 30 mil em cada campo, atualmente acolhe mais de 463 mil refugiados, incluindo as 10 000 pessoas que constituem a terceira geração nascida em Dadaab. Em 2011, perante as terríveis condições de fome provocadas por uma das mais graves secas dos últimos anos, o número de refugiados somalis que chegavam ao complexo ultrapassava, em média, os 1000 por dia. Em Junho desse ano chegaram 30 000, em Julho 40 000 e em Agosto 38 000, número que elucida a triste e difícil realidade em que continua a viver o povo desta região, conhecida por “Corno ou Chifre da África".
Chegar à entrada do complexo é uma vitória: os refugiados que aqui chegam conseguiram sobreviver aos conflitos e perseguições na sua terra natal, a dias de caminhada sob um sol abrasador, resistiram à fome e à sede. Os recém-chegados são primeiramente identificados e registados na tenda do ACNUR, depois são submetidos a um exame médico no espaço da organização Médicos Sem Fronteiras (as crianças são vacinadas, pesadas e medidas, e de acordo com o grau de subnutrição podem ser imediatamente internadas; se o caso não for grave, a família recebe orientação para ser acompanhada num posto médico de um dos campos). Concluídos estes procedimentos, é distribuída uma cesta com bens básicos para 21 dias. Por cada membro do agregado familiar é entregue 4,4kg de farinha, 4,4kg de farinha de milho, 1,2kg de feijão, 600g de óleo, 100g de sal, 420g de açúcar e 945g de uma mistura fortificada de milho e soja. Há também pontos de distribuição de água, mas, segundo a organização dos Médicos Sem Fronteiras, as quantidades disponíveis não são suficientes: se o consumo de água recomendável é de 20 litros por pessoa, em Dadaab este valor fica entre os 3 a 4 litros. De acordo com os dados disponíveis, em 2011 80% das grávidas estavam anémicas, 6,3% a 9,4% das crianças até aos 5 anos estavam subnutridas e havia unicamente 1 latrina para 25 a 30 pessoas.
Outra grande dificuldade dentro dos campos é encontrar um teto, já que desde de 2008, data em que o complexo foi declarado lotado, não há distribuição oficial de barracas; cada um procura construir um abrigo com o que encontra, desde gravetos, a panos e plásticos.
Nos três campos há escolas, mas o seu número (38, segundo os dados de 2011) e as vagas existentes não são suficientes para todos poderem completar o 1º ciclo. Embora representem casos raros, alguns jovens conseguem bolsas e autorização para estudar em Nairobi ou na cidade de um outro país. Como os refugiados não são reconhecidos como cidadãos, qualquer tipo de trabalho é-lhes vedado, pelo que o diploma não se traduz em melhores oportunidades de vida e mesmo que pudessem, não existem no campo cargos compatíveis com as habilitações literárias obtidas. Mesmo assim, o sonho de muitos jovens passa por completar os estudos universitários.
Embora não possam trabalhar, ao longo dos 20 anos de existência foi-se desenvolvendo no campo uma economia baseada no comércio. Nos mercados encontram-se produtos básicos, como os alimentares e roupa, até perfumes,  brinquedos e cinema.
A segurança em Dadaab é assegurada pela polícia queniana. A segurança das sedes e escritórios da ONU e das ONGs é assegurada por uma empresa particular contratada pela ONU. Os membros das agências humanitárias têm toque de recolher, não sendo recomendável sair depois das 18h e antes das 7h. Para prevenir situações de rapto, os jornalistas são transportados em comboio policial ou em escolta armada.

A viver em condições de vida precárias, cidadãos de um lugar do qual tiveram que fugir e sem direito à cidadania do país que os acolheu, os refugiados de Dadaab, assim como todos aqueles que vivem em tantos outros campos de refugiados, têm a sua vida em suspenso.


 

 Segundo os dados do ACNUR, mais de 968 mil somalis vivem como refugiados em países vizinhos, principalmente no Quénia (520 mil), Iémen (203 mil) e Etiópia (186 mil). Um terço fugiu da Somália em 2011. Outros 1.3 milhões estão deslocados dentro do país.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os refugiados choram, silenciados


Enquanto houver discriminação, intolerância política, étnica e religiosa a criar cenários de guerra e perseguições há refugiados.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) é uma agência da ONU fundada em 1951 pela Assembleia das Nações Unidas com o propósito de apoiar, dar assistência e proteger todo o indivíduo ou toda a população vítima de perseguição, violência e intolerância. Constituindo atualmente uma das principais agências humanitárias do mundo, procura cumprir dois objectivos básicos: proteger homens, mulheres e crianças refugiadas e procurar soluções que proporcionem um regresso permanente a uma vida normal e condigna.
A Convenção de Refugiados de 1951 determina que o termo refugiado aplicar-se-á a qualquer pessoa que “receando, com razão, ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir protecção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, não queira regressar.” - Convenção de 1951 do Estatuto de Refugiados, artigo 1º, e Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados aprovado em Assembleia Geral em 1967. A Convenção também estabelece que “nenhum país deve expulsar ou devolver um refugiado, contra a vontade do mesmo, em quaisquer ocasiões, para um território onde possa sofrer perseguição.”
No final de 2010 estavam sob a jurisdição da ACNUR 10.549.686 refugiados, a sua maioria oriundos de países africanos e asiáticos, e 14.697.804 de deslocados internos. Se as catástrofes naturais podem explicar a deslocação forçada de algumas das populações, são os conflitos resultantes da intolerância política, étnica e religiosa que constituem a grande razão para que continuemos a confrontar-nos com este flagelo.
Na década de 90, do século XX, a guerra civil que deflagrou no Ruanda entre a etnia tutsi (minoritária) e os hútus (etnia maioritária) levou à perseguição e ao massacre de milhares de tutsis pela população hútu. Os danos humanos desta crise são incontornáveis: dois milhões de refugiados, aproximadamente 1.5 milhões de deslocados internos e estima-se que, entre os meses de Abril e de Julho de 1994, foram mortas cerca de 800.000 pessoas.
            Na mesma década, entre os anos 1992 e 1995, a região da Bósnia e Herzegovina sofreu um conflito armado que envolveu os três grupos étnicos e religiosos da região: os sérvios cristãos ortodoxos, os croatas católicos romanos e os bósnios muçulmanos. Qualificado como o mais violento e prolongado conflito da Europa desde o fim da II Guerra Mundial, vitimou 200.000 pessoas (entre militares e civis) e criou 1.8 milhões de refugiados e deslocados internos.
            Entre 2003 e 2006 a região do Darfur foi palco de um conflito armado que desencadeou, no entender da Nações Unidas, uma das maiores crises humanitárias. Darfur é uma região semi-árida localizada no oeste do Sudão constituída maioritariamente por populações de origem centro-africana. Os Fur, os Masalit e Zaghaw constituem as três etnias predominantes, em geral muçulmanos ou seguidores de outras religiões africanas. Estas populações não árabes foram alvo de perseguições empreendidas por milícias árabes, denominadas Janjawid, recrutadas entre os Baggara, tribos nómadas de língua árabe e de religião muçulmana. Neste conflito étnico-cultural, que continua a registar focos de tensão, estima-se que já morreram 400.000 pessoas e que entre refugiados e deslocados no interior do país o número ronde os 1.9 a 2.5 milhões de indivíduos. De acordo com os dados estatísticos do ACNUR, o Sudão registava em 2010 um total de 387.288 refugiados, valor superior ao da população da Islândia, que é, de acordo com os dados estatísticos de 2011, de 311.058 habitantes.
         Segundo os relatórios do Conselho Norueguês para refugiados e do ACNUR, o atual conflito sírio já vitimou 11 mil pessoas, provocou mais de 200 mil desalojados internos e 61 mil refugiados, aproximadamente. Em reunião realizada no dia 20 de Abril deste ano, o Director de Programas de Emergências da UNICEF anunciou que 50% dos refugiados que cruzam a fronteira sírio-libanesa são menores de idade. Para além dos desalojados internos resultantes do actual conflito, a Síria já tinha cerca de 400 mil pessoas desalojadas em consequência da guerra de 1967 com Israel.
         Deslocados à força por verem as suas aldeias destruídas e vandalizadas, os familiares, amigos e vizinhos assassinados sem outra razão que não seja a diferença étnica, política ou religiosa, os seus haveres devastados, os quais, muitos já parcos, só conseguiam manter uma mera subsistência familiar; obrigados a percorrerem centenas ou milhares de quilómetros até encontrarem um local que os faça sentir protegidos da violência de que foram alvo, os campos de refugiados constituem para a população refugiada e para os deslocados internos um “porto seguro”, a esperança de que afinal pode haver um futuro.
            Os conflitos por que estas regiões passaram (muitas mais foram cenários de crises humanitárias ao longo do século XX e continuam a ser nestas primeiras décadas do século XXI) espelham a incapacidade da humanidade viver em sintonia com os direitos mais básicos do ser humano:
- “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos… devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
- “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
- “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.”
- “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários…”

            Princípios, consagrados na Declaração dos Direitos do Homem, que todos os povos e países deviam de reconhecer e respeitar de modo maduro e responsável.

 
Pedem pão e a certeza de comê-lo
 
Refugiados vagueiam quem os quer?
São aos milhões por esse mundo fora
são indesejáveis a criança e a mulher
refugiados indefesos esperam sua hora.

Pedem o pão e a certeza de comê-lo
em paz e sem constrangimento
esperam uma mão que lhe toque no cabelo chorando no íntimo o seu desalento.

Não pedem aos governantes uma flor
pedem a paz, um abrigo, o simples respirar  duma esperança que lhes traga o amor, a dignidade de viver e poder amar.

Em toda a parte vagueiam refugiados
são a mancha de quem não sabe governar

vítimas do egoísmo e círculos viciados 
são aos milhões e não param de aumentar.                                            

Pedem o pão e a certeza de comê-lo
respiram ameaças e uma atmosfera vã
clamam por amor e a certeza de obtê-lo
na expectativa do que trará o amanhã.
                                   
                                      José Valgode