terça-feira, 20 de março de 2012

Culturas antigas: o mundo celta

Durante uma aula sobre diversidade cultural, um aluno interpelou-me sobre a cultura céltica. Embora o assunto constitua  um tema fascinante, a questão extrapolava a temática da aula, pelo que acordámos que o esclarecimento seria dado neste espaço. Espero que os factos aqui expostos sucintamente contribuam para o elucidar.
Celta é o termo usado para designar o conjunto de povos de raiz indo-europeia que migraram para o oeste da Europa a partir do segundo milénio a.C.
 Os celtas não constituíam um povo uno, com uma estrutura política e social coesa, estando organizados em múltiplas tribos, cada uma estabelecida numa área geográfica específica: bretões, gauleses, helvécios, belgas… Pode-se dizer que a arte, a língua e a religião eram os elementos unificadores entre os vários povos celtas.

Segundo as fontes, a dispersão dos povos celtas pela Europa realizou-se ao longo de duas grandes etapas, designadas culturas Hallstatt e La Tène.
O período Hallstatt, que se prolonga entre 1200 a.C. e 500 a.C, corresponde ao final da Idade do Bronze e à primeira Idade do Ferro (cerca de 750-450 a.C.); pode-se considerar que foi uma fase de transição entre a idade do bronze e a do ferro. O nome atribuído a este período deve-se à necrópole arqueológica localizada nas margens do lago Hallstatt, na Áustria, na qual foram encontrados mais de 2000 túmulos e mais de 6000 objetos.  A zona geográfica ocidental da cultura Hallstatt incluía os atuais territórios do norte da Itália, Suíça, França oriental, Alemanha meridional e Boémia (atual República Checa). Áustria e Eslováquia são territórios que compreendiam a zona geográfica oriental. Neste período foram produzidas obras de arte como joalheria feita em bronze e ouro e estelas de pedra; nas fases finais começaram a surgir as primeiras espadas de ferro. Acredita-se que os celtas foram os pioneiros no trabalho e uso do ferro na Europa
À cultura Hallstatt sucede, na maior parte da Europa Central, a cultura La Tène. Esta cultura desenvolveu-se e propagou-se durante a segunda Idade do Ferro (de 450 a.C. à conquista romana, no século I a.C.) nos atuais territórios da França oriental, Suíça, Áustria, sudoeste da Alemanha, República Checa e Hungria. O seu nome deriva do nome da aldeia localizada no lago Neuchâtel, na Suíça, onde foi descoberto o sítio arqueológico.
Segundo alguns historiadores, os celtiberos (povo que habitava na península Ibérica desde o século VI a.C.) resultam da fusão do povo celta com o ibero (povo autóctone). Outras opiniões defendem que os celtiberos eram um povo celta que assimilou e adaptou traços da cultura ibera.

A partir do século II a.C. os celtas começaram a perder território com as incursões dos povos germânicos e com as invasões e conquistas dos romanos. Em 192 a.C. os romanos ocupam a Gália Cisalpina (norte da península Itálica); em 52 a.C. Júlio César, ao vencer a batalha de Alésia, conquista a Gália, tornando-a uma província romana; no século I d.C. a Bretanha (atual Grã-Bretanha) é dominada pelo imperador Cláudio. De toda a área celta, somente a Irlanda e o norte da Bretanha permanecem territórios de identidade celta. A conquista romana da península Ibérica durou aproximadamente 200 anos: em 133 a.C. os celtiberos são derrotados com a queda da Numância.

Os investigadores consideram que os povos celtas teriam uma língua comum até ao início do primeiro milénio a.C., época a partir da qual a língua terá divergido para dois dialectos celtas distintos, conhecidos atualmente por gaélico e britónico ou Celta-Q e Celta-P. O grupo gaélico é representado hoje pelo irlandês, manx ou manês e gaélico escocês; o grupo britónico pelo galês, córnico e bretão. No britónico, que constitui uma mutação do gaélico, segundo opinião de alguns historiadores, a letra Q foi substituída pelo P. Por exemplo, em gaélico, a palavra para filho é mac; nas línguas que representam o britónico a palavra assumiu as formas de map (galês e córnico) e mab (bretão).

Os celtas adoravam um grande número de deuses e professavam um grande respeito pela natureza. Acreditavam que algumas árvores possuíam virtudes específicas: o espinheiro-alvar protegia tanto os animais como os humanos do raio; o visco curava os animais; a hera era um amuleto; o azevinho conduzia à imortalidade e o teixo era a árvore sagrada por natureza. A presença do teixo na base dos menires anteriores à cultura La Tène leva os historiadores a crer que tinha a função de zelar pelos mortos e que era tido como um símbolo da ressurreição.
Do panteão celta podem-se destacar as divindades Dagda, Deus supremo do panteão, pai dos deuses e dos homens, Deus dos magos e sacerdotes, senhor dos artesãos, da música e das curas, Deus da magia e da terra; Belenus, também conhecido por Belenos, o Deus do Sol; Lug ou Lugh, também considerado Deus do Sol e da guerra na Irlanda e no País de Gales; Brigit ou Brigid, filha do Dagda, era a Deusa do fogo, da fertilidade, da agricultura, da poesia…; Cernunnos, Deus da Natureza, Senhor do Mundo.
No mundo celta o panteão não era homogéneo, variando entre os povos e as tribos as divindades veneradas e os nomes a elas atribuídos. Os deuses não viviam em comunidade como a do tipo do Olimpo Grego: partilhavam grutas, dólmens, túmulos, nascentes, o interior das montanhas. O seu culto era praticado ao ar livre, em clareiras.

Do calendário celta faziam parte quatro importantes festividades religiosas: Samain, celebrado no dia 1 de Novembro; Imbolc, no 1º de Fevereiro; Beltaine, no 1º dia de Maio; Lugnasad, no dia 1 de Agosto.
A festa de Samain marcava o começo do novo ano céltico; os celtas acreditavam que durante a noite de Samain o Sidh (locais onde habitavam os deuses), as ilhas e os túmulos eram abertos, permitindo o contacto entre o nosso mundo e o dos mortos. O Imbolc, dedicado à Deusa Brigid, marcava o renascimento da vida da natureza depois do seu período de hibernação (inverno). Beltaine era uma festa dedicada a Belenus e marcava o início do verão e a “morte” do inverno. Era um festival de fertilidade, simbolizando a união entre as energias masculina e a feminina. Lugnasad, comemorado sob a protecção do Deus Lug, celebrava a chegada das colheitas.

Em todos os povos celtas os druidas desempenhavam um papel primordial na sociedade; eram os líderes religiosos, constituindo uma classe privilegiada dentro da sociedade. Para além de presidirem às cerimónias religiosas, desempenhavam as funções de educadores e de juízes. Tinham conhecimentos de medicina, agricultura e astronomia. Ainda eram responsáveis pela conservação da tradição celta, toda ela oral, já que os celtas não utilizavam a escrita. Segundo relatos, todos os anos, numa data fixa e num local sagrado, realizava-se uma grande assembleia de druidas da Gália. Diferentes descobertas arqueológicas levam a supor que esse local situava-se perto de Saint-Benoît-sur-Loire. As mulheres também integravam a classe druídica, sendo a sua maioria profetizas.
 Os druidas representavam a força e a coesão política, cultural e religiosa entre os povos celtas, pelos que os romanos, segundo os testemunhos disponíveis, procuraram eliminar o druidismo. Mesmo assim, ele perdurou até à Idade Média na Irlanda e até ao século V na Gália.

Com a ocupação dos territórios celtas pelos romanos e pelos povos germânicos (caso da Grã-Bretanha pelos anglo-saxões) a cultura e identidade celta foi-se diluindo. No entanto, em territórios como a Irlanda, Escócia e Bretanha (região no norte da França para onde migraram os bretões fugidos das invasões anglo-saxões que assolaram a Grã-Bretanha a partir do século V d.C.), a influência cultural celta jamais desapareceu. Pode-se mesmo afirmar que está a passar por um ciclo de renascimento e expansão com o aparecimento de música de inspiração celta e no reviver de muitos usos e costumes.


segunda-feira, 12 de março de 2012

Este país é para velhos?

Quando se pensa na situação demográfica de Portugal muito provavelmente surge nos nossos pensamentos o título do livro “Este País Não É para Velhos”, de Cormac McCarthy.
Portugal é um país, à semelhança de tantos outros países europeus, que se caracteriza por um contínuo agravamento do envelhecimento da população e para o qual não apresenta respostas credíveis.
Desde o ano de 2002 (último ano em que Portugal registou valores iguais ou superiores a 1,5) que o índice sintético de fecundidade oscila entre os 1,3 e os 1,4 filhos por mulher. 1,32 e 1,37 foram os valores registados em 2009 e 2010, valores que ficam muito aquém do mínimo necessário para assegurar a renovação das gerações: 2,1 filhos por mulher - índice de renovação de gerações.
A taxa de natalidade, acompanhando o comportamento do índice de fecundidade, tem registado valores igualmente muito baixos. Nos últimos 5 anos, exceptuando o de 2007, em que ambas as taxas apresentam iguais valores - 9,8‰, a taxa de natalidade tem registado valores inferiores aos da taxa de mortalidade: em 2010 a taxa de natalidade foi de 9,5‰ enquanto que a de mortalidade foi de 10,0‰. A título comparativo, em 2000, último ano em que a taxa de natalidade registou valores acima dos 11‰, a taxa de natalidade foi de 11,7‰ e a da mortalidade de 10,3‰, o que perfez uma taxa de crescimento natural baixa, mas ainda positiva.
Ao contrário da taxa de natalidade, que tem sofrido um decréscimo constante, a esperança de vida em Portugal tem aumentado significativamente. Em 1970, a esperança de vida à nascença era de 67,13 anos (63,99 no sexo masculino e 70,25 no sexo feminino); no ano de 1980 aumentou para 71,07 (observando-se um maior aumento no sexo feminino, que passou para os 74,81 enquanto que a do sexo masculino ficou nos 67,81 anos); em 2000 já era de 76,40 anos (72,89 nos homens e 79,90 anos nas mulheres) e entre 2008 e 2010 Portugal já é um país com uma esperança de vida de 82,05 anos nas mulheres e de 76,14 nos homens (média de 79,20 anos).
Com uma esperança de vida à nascença elevada, e com tendência a aumentar, e uma taxa de crescimento natural negativa, e sem perspetivas de uma mudança neste indicador, Portugal necessita de refletir profundamente sobre o seu futuro demográfico, identificando linhas de acção que criem situações que promovam uma mudança do comportamento da natalidade e  infra-estruturas que assegurem condições de vida dignas a uma população cada vez mais idosa e sem recursos que lhes permita auto sustentar-se.
Criar uma sociedade que nos permita rebater o pensamento de François Chateaubriand, Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso”, deve representar uma das prioridades sociais e demográficas do nosso país.